Retrospectiva


Porque a vida é feita de proibições,
Eu não compus todas as canções,
Não percebi a brisa suspirar,
Eu esqueci cantigas de ninar,
Dei chances demais à voz dos credos,
Não rompi de vez todos os medos,
Roubei do tempo um tanto de carinho,
Não vi a flor amar o passarinho,
Perdi o trem na curva da vertente,
E não deixei o mel melar completamente.

Porque a vida é feita de proibições,
Larguei o fio, soltaram-se os balões,
Deixei que o pião revirasse sozinho,
Mandei que o zangão se zangasse baixinho,
Desprezei a bruma que baixou o véu,
Permiti à palavra dormir no papel,
Evitei o desvio que atravessa a estrada,
Não quis o desafio da ronda embrigada,
Não li o poema do poeta maldito
E não tive o dilema do beijo infinito.

Porque ainda há tempo para o encantamento,
Quebre-se o vidro do sermão absoluto,
Rompa-se a teia, reveja-se o estatuto,
Que a primavera quer amar o chão de vento.

Flora Figueiredo

Como de costume, minha irmã canta repetidamente na sala, começo a perceber os sons à minha volta, as sensações que passam pelo meu corpo e como me situo neste mundo. Ao ler esse poema à minha irmã, ela me disse: "Não quero chegar aos 80 anos e escrever um poema desses" suponho que a poeta Flora Figueiredo tenha atingido seu objetivo.
Fico pensando em como temos direcionado nossa existência. A realidade cada vez mais nos impõe regras e obrigações nos cobrando tempo e dedicação, nessa ânsia de atendermos a essas exigências acabamos nos perdendo de nós mesmos, caímos no que Heidegger chama de impropriedade, isto é, deixamos de conduzir a vida do nosso jeito. Suprimos as necessidades dos outros e não olhamos para o que a gente precisa. Vivemos no automatismo, cumprindo horários e tarefas, com medo de arriscar o novo e de viver experiências.

Mas prefiro ficar com o início da última estrofe "Porque ainda há tempo para o encantamento" há tempo de repensar nossa vida e dar a ela "nossa cara" mesmo cumprindo com nossas obrigações...

Dri Luz

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